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Aspectos fundamentais do contrato de fiança (20/03/2020)

Há três tipos de fiança (legal, judicial ou convencional). Porém, como estamos tratando de contrato de fiança, vamos nos ater apenas à fiança convencional, já que as demais decorrem da lei ou de uma determinação do juiz.

A fiança é um contrato de garantia pessoal ou fidejussória. Ou seja, uma pessoa se obriga a garantir o pagamento de dívida de outra, caso esta não o faça.

Vem regulada nos arts. 818 a 839 do Código Civil, bem como em legislação esparsa, a exemplo da Lei de Locações de Imóveis Urbanos (art. 40).

É contrato comumente classificado como gratuito, unilateral, acessório e formal (exige a forma escrita - art. 819 do CC/2002 - e para ter validade precisa de outorga do cônjuge, exceto no regime da separação absoluta de bens, mas vale ressaltar que a esposa ou esposo que outorgar não se torna fiador ou fiadora. Pode haver o suprimento da recusa pelo juiz. A fiança prestada sem autorização de um dos cônjugues implica a ineficácia total da garantia, conforme Súmula 332 do STJ.). 

É gratuito porque o fiador não recebe qualquer contraprestação, sendo um negócio baseado na confiança. Nada impede que se acerte uma remuneração mensal pela fiança, o que normalmente acontece quando o Banco é fiador, assinando termos de responsabilidade em favor de seus clientes, em troca de uma percentagem sobre a quantia garantida.

É unilateral porque só gera obrigações para o fiador e não para o afiançado ou credor.

Acessório porque não se concebe sua existência sem um contrato principal, cujo pagamento visa garantir.

A fiança é contrato que não admite interpretação extensiva (art. 819 do CC/2002), e, logicamente, por se tratar de contrato benéfico deve ser interpretada restritivamente (art. 114 do CC/2002).

É nula a fiança prestada por analfabeto, salvo se por instrumento público, ou seja, em um Tabelionato de Notas, manifestando sua vontade em frente ao Tabelião.

As obrigações nulas não são passíveis de fiança, exceto se resultar da incapacidade pessoal do devedor (art. 823). Tal exceção não abrange o caso de mútuo feito a menor.

A fiança prescinde da presença do credor, pois é negócio celebrado entre o credor e o fiador, até mesmo pode ser formado ainda que sem o consentimento ou contra a vontade do devedor.

Por se tratar de contrato acessório, a fiança segue a sorte do contrato principal, extinguindo-o, extingue-a. Anulando-o, anula-se-a.

Também pode ser contratada por valor inferior ao da obrigação principal.

Em algumas hipóteses, a lei permite a recusa do fiador pelo credor se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar fiança ou não possua bens suficientes para desempenhar fiança (art. 825 do CC/2002). É evidente que se a recusa for injustificada, ela pode ser considerada abusiva pelo juiz, ordenando a aceitação do fiador. Cumpre ao devedor provar a idoneidade do fiador.

Em vista da proteção do credor, a lei lhe confere a prerrogativa de exigir do devedor a substituição do fiador quando este se tornar insolvente ou incapaz, cabendo, nesse caso, ao credor o ônus da prova.

Os efeitos da fiança são: (i) benefício de ordem e (ii) solidariedade de cofiadores.

Benefício de ordem é a prerrogativa do fiador de exigência de excussão dos bens do devedor antes da sua. Funda-se na ideia de que a obrigação do fiador é subsidiária. Porém, na prática das fianças convencionais, há a renúncia a tal benefício, caso em que haverá a solidariedade entre o devedor e o fiador, podendo até mesmo o credor exigir do fiador primeiramente. Cabe ressaltar que é nula a cláusula de renúncia antecipada em contrato de adesão (Enunciado 364 do CEJ).[1]

Se houver dois ou mais fiadores, sem se especificar a parte da dívida que cada qual garante, a lei também prevê a solidariedade entre eles. Assim, o credor pode exigir de um deles o total da dívida, restando aquele que pagou sub-rogado nos direitos do credor (art. 831).

Pressupostos para o benefício de ordem: nomear bens do devedor existentes no município e exercer a prerrogativa até a contestação da lide.

Caso o fiador arque com os débitos do devedor, terá ele direito de regresso em face do devedor: o devedor responderá perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar e pelos que sofrer em razão da fiança” (art. 832 do CC)[2]. O devedor fica em mora a partir do pagamento do fiador, correndo juros e correção previstos no contrato.

Direito de exoneração da fiança é possível desde que a obrigação não seja por prazo determinado, mediante mera manifestação de vontade. O prazo de vinculação após a exoneração varia a depender do tipo de contrato (locação: 120 dias – art. 40, X, da Lei 8.245/1991; demais: 60 dias – art. 835 do CC/2002). Vale ressaltar que o STJ entendeu que pode haver direito de exoneração em contratos de prazo determinado que se tornaram contratos por prazo indeterminado.[3] Há, ainda, a Súmula 214 do STJ: O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.

São hipóteses de Extinção da fiança: decurso do prazo ou cumprimento da obrigação principal, moratória concedida ao devedor sem consentimento do fiador, ato do credor que torne impossível a sub-rogação do fiador em seus direitos e preferências (dar o exemplo de o credor abrir mão da fiança pignoratícia), dação em pagamento consentida pelo credor e retardamento do credor na execução (arts. 838 e 839).

A fiança prestada a pessoa jurídica, sendo que depois se altere o quadro social, gera o efeito de exonerar o fiador, dado o caráter intuitu personae do contrato.

A obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não se pode exigir mais do limite da herança (art. 836).

As fianças mais comuns são para garantir o cumprimento de contratos bancários ou contratos de locação, sendo comum os termos “fiança bancária” e “fiança locatícia”.

Por fim, importante pontuarmos que um dos principais temas referentes à fiança é, sem dúvida, no tocante ao alcance desta ao patrimônio do fiador, garantidor da dívida do devedor.

Segundo a Lei 8.009/90, permite-se a penhora do bem de família do fiador a fim de satisfazer a fiança concedida em contrato de locação. Ou seja, por tal dispositivo, na hipótese de o devedor se tornar inadimplente, deixando de arcar com os alugueres, seria o fiador acionado para realizar o devido pagamento ao credor e, caso não adimplisse com o débito, poderia ter seu único imóvel residencial penhorado.

Tal medida tem sido aplicada há anos e, com isto, milhares de brasileiros que aceitaram, sem muito pensar, ser fiador, tiveram sua moradia penhorada.

Contudo, em junho de 2.018, por três votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (RE 605.709/SP) considerou incompatível com o direito constitucional à moradia, a penhora do bem de família do fiador, dado como garantia de contrato de locação comercial, permanecendo possível a penhora em caso de contrato de locação residencial (entendimento este já pacificado).

 

Bibliografia

NEGRÃO, Theotonio; FONSECA, João Francisco da. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 50 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

RODRIGUES, Silvio. Curso de Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2008.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020

 

Escrito por ANDRÉ FURTADO DE OLIVEIRA e ELLEN STEFANY GONÇALVES GOMES.

 

[1] Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Theotonio Negrão, João Francisco N. da Fonseca – 50 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[2] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020, p. 812.

[3] STJ, REsp 1.798.924 – RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 21.05.2019.          

Inventário (13/03/2020)

Como já asseverava José de Oliveira Azevedo[1], “o Direito das Sucessões realiza a finalidade institucional de dar a continuidade possível ao descontínuo causado pela morte”.

O “Direito das Sucessões” é o último livro (V) estabelecido pelo Código Civil e conta com vários títulos e capítulos destinados a regular a transmissão do patrimônio depois da morte. Em decorrência disto, invariavelmente, todos terão que lidar com as normas sucessórias em algum momento da vida – quando se deparará com o falecimento de algum ente querido.

Talvez a matéria de Direito das Sucessões que tenha mais importância seja o inventário, previsto no Título IV do Livro V do Código Civil, bem como no Capítulo IV do Título III do Livro I da Parte Especial do Código de Processo Civil.

Do latim invenire (achar ou encontrar) é o meio técnico para anotar e registrar o que for encontrado pertencente ao falecido.

O inventário nada mais é que o procedimento extrajudicial ou judicial de definição dos bens do patrimônio do falecido e sua posterior partilha, atribuindo-se aos herdeiros, testamentários ou legatários seus quinhões correspondentes.

Numa definição mais sucinta, César Fiuza diz que o “inventário é meio de liquidação da herança”. Isto é, processo no qual se apura o ativo e o passivo da herança, pagam-se dívidas e recebem-se créditos.

Há, como dito, duas formas de inventário.

  • EXTRAJUDICIAL

Ele pode ser feito de maneira extrajudicial, quando NÃO HÁ:

  • herdeiro menor ou incapaz (art. 610 do CPC);
  • testamento (art. 610 do CPC); ou
  • litígio entre os herdeiros (art. 610, § 1.º, do CPC).

Nesse caso, o inventário e a partilha são feitos por escritura pública em tabelionato de notas de livre escolha dos herdeiros, com a participação obrigatória e indispensável de um advogado.

Neste ponto, em especial, vale ressaltar que diferentemente da ideia popular, o advogado não apenas “assinará” o inventário, mas sim participará ativamente de todo o desenvolvimento deste: seja na orientação de seus clientes, na organização e juntada de documentos, elaboração de atas e guias de pagamento de impostos, na correta distribuição dos bens entre os herdeiros, dentre outros serviços que certamente seriam elaborados erroneamente por um leigo ou por um profissional não habilitado, que se submeteria a apenas “assinar” um documento de tanta importância, sem a dedicação e cuidado necessários. Desta forma, um profissional habilitado se mostra indispensável para o bom desenvolvimento do inventário, a fim de que os herdeiros não sofram prejuízos futuros.

Importante mencionar que o inventário, em sua modalidade extrajudicial, que deve ser proposto no prazo de até sessenta dias após o falecimento do ente querido, é um processo mais célere e possui um baixo custo se comparado ao judicial; vez que os honorários advocatícios, no inventário extrajudicial, serão no importe de 6% real do monte-mor, ao passo que, no judicial, os honorários corresponderão de 8 a 10% do valor real monte-mor.

 

  • JUDICIAL

A outra modalidade de inventário é o judicial, obrigatório na existência de: herdeiros menores de idade ou incapazes; de testamento e, ainda, em caso de litígio.

Em ambos os casos, as partes interessadas devem estar assistidas por advogado ou defensor público (art. 610, § 2.º, do CPC). No caso de serem as partes representadas por advogado, os honorários serão no importe de 8% sobre o valor real do monte-mor (na hipótese de inventário sem litígio) e 10% do valor real do monte-mor (em caso de inventário litigioso).

No caso do inventário judicial, a ação é proposta no foro do lugar do último domicílio do falecido, ainda que seus bens se encontrem em outro local. Se o de cujus tiver diversos domicílios, é o foro de situação dos imóveis.

O prazo para a instauração do processo judicial, assim como o extrajudicial é de sessenta dias a contar-se da abertura da sucessão (ou seja, do evento morte) – art. 611 do CPC.

O juízo do inventário é universal, sendo competente para julgar todas as ações relativas ao espólio ou ao falecido.

A pessoa responsável por administrar os bens do falecido durante o processo de inventário é denominada de inventariante (podendo ser a pessoa escolhida pelo falecido em testamento ou então nomeada pelo juiz uma das pessoas legitimadas à propositura da ação de inventário, com preferência àquelas estabelecidas no rol do art. 617 do CPC).

As incumbências do inventariante são: representar ativa e passivamente o espólio, prestar as primeiras e últimas declarações, pagar dívidas, alienar bens de qualquer espécie, entre outras previstas nos arts. 618 e 619 do CPC.

O inventariante deve desempenhar bem suas atribuições, sob pena de ser destituído pelo a requerimento dos herdeiros ou Ministério Público ou ex officio pelo Juiz.

As primeiras declarações devem ser feitas até vinte dias após o termo de compromisso do inventariante, devendo constar o nome do falecido e dos herdeiros, relação completa e individualizada de todos os bens, dentre outras previstas no art. 620 do CPC.

Documentos indispensáveis à propositura da ação são: certidão de óbito do falecido, certidão do Colégio Notarial do Brasil informando se há testamento ou não, documentos de identidade e certidões de nascimento/casamento dos herdeiros necessários, matrículas de imóveis e documentos de propriedade de bens móveis do falecido, extratos bancários de contas deixadas pelo de cujus,

A partilha de bens deve ser feita na forma estabelecida pelo Código Civil ou na forma predisposta em testamento. Importante informar, em caso de cônjuge sobrevivente, o regime de bens que vigorava durante o casamento, para que haja a meação ou não.

Convém tratar igualmente sobre os aspectos tributários que se relacionam com o processo de inventário. A transmissão do patrimônio causa mortis (ou em razão da morte) é fato gerador para a incidência de um imposto de competência estadual chamado Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (vulgarmente denominado ITCMD).  Tal imposto, em São Paulo, tem uma alíquota de 04% sobre a base de cálculo, que é o valor do patrimônio do falecido a ser inventariado. Só depois de pago tal imposto que o patrimônio pode ser definitivamente transmitido aos herdeiros.

Além desse tributo, os herdeiros devem pagar as custas de cartório (tabelião, se por escritura pública e de Imóveis, caso haja bem imóvel). Se for instaurado processo judicial, há custas processuais (01% do valor da causa).

Ademais, cabe a cobrança de honorários advocatícios, nos moldes já elencados.

 

ESCRITO por ANDRÉ FURTADO DE OLIVEIRA  e ELLEN STEFANY GONÇALVES GOMES

 

Bibliografia

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 18 ed. São Paulo: Ed. RT, 2015.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020, p. 1394.

 

[1] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020, p. 1394.

Ação de Retificação de Registro Civil: alteração de nome (17/01/2020)

Há diversos motivos para que uma pessoa queira “alterar” ou “acrescentar” um nome ao já existente. Mas nem todos são dignos de consideração pelo Estado brasileiro.

Em termos jurídicos, chamamos esse procedimento de retificação de assento ou registro civil.

Antes de mais nada, convém informar que, neste artigo, estamos tratando do nome de pessoa natural, e não de pessoas jurídicas, que tem procedimento próprio e distinto, embora seja tratado no §1.º do art. 57 da Lei 6.015/1973.

Interessante também diferenciar prenome de sobrenome. Ambos fazem parte do nome civil, mas o prenome vem antes e o sobrenome (identificação da família) vem posteriormente.

A lei brasileira prevê o princípio da imutabilidade do nome civil (prenome e sobrenome). Ou seja, em regra geral, o nome não pode ser mudado, em prestígio aos mandamentos da segurança jurídica e da legalidade.

Assim, é preciso garantir estabilidade e segurança para que as pessoas possam ser identificadas de forma precisa e segura.

Porém, em toda regra há exceção. Ou seja, a lei brasileira prevê ressalvas à imutabilidade do nome em alguns casos ou hipóteses normativas.

Vejamos, portanto, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015 de 1973).

A primeira exceção é prevista no caput do art. 56 da lei, onde há a possibilidade de alteração do nome no primeiro ano após 18 anos completos, desde que não haja prejuízo ao apelido de família.

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.                   (Renumerado do art. 57, pela Lei nº 6.216, de 1975).

Em seguida, têm-se as exceções do art. 57, que tratam dos casos em que a retificação é pedida no prazo posterior ao prazo do art. 56. Vejamos:

Art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.               (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).

Nesse artigo supramencionado, há três hipóteses, mas só pode ser feita a alteração se houver judicialização com motivo suficiente e depois de ouvido o Ministério Público, no procedimento previsto pelo art. 109 da Lei 6.015/1973.

1.ª HIPÓTESE: MULHER SOLTEIRA, DESQUITADA OU VIÚVA

  • §2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.

REQUISITOS: (i) Expressa concordância do companheiro; e (ii) 05 anos de convivência ou existência de filhos em comum.

2.ª HIPÓTESE: AMEAÇA DE CRIME

  • §7º Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração. (Incluído pela Lei nº 9.807, de 1999)

3.ª HIPÓTESE: ENTEADO(A)

  • §8º O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. (Incluído pela Lei nº 11.924, de 2009)

Também há a possibilidade de retificação em caso de adoção, a pedido do adotante (art. 47, § 5.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente), bem como em caso de naturalização (art. 71, § 1.º, da Lei 13.445/2017).

Um dos casos mais interessantes seria aquele previsto no caput do art. 58 da lei, onde há a possibilidade do acréscimo ou substituição do prenome por apelidos já consagrados no círculo de convivência do interessado.

Exemplos não faltam, como o caso da apresentadora “Xuxa” e do ex-presidente “Lula”. Lembrando que não precisa ser uma pessoa pública a requisitar tal substituição ou acréscimo. Vide o dispositivo:

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. (Redação dada pela Lei nº 9.708, de 1998)   (Vide ADIN Nº 4.275)

Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.                    (Redação dada pela Lei nº 9.807, de 1999).

Fora das previsões legislativas, a jurisprudência tem admitido, como exceção, algumas possibilidades de alteração. Nesse sentido, outros exemplos de justo motivo seriam o acréscimo de sobrenome em homenagem aos ascendentes, a correção de grafia de sobrenome estrangeiro e a substituição de nomes constrangedores e vexatórios.

Para propor uma ação de retificação de registro civil, o interessado deve procurar um advogado, de preferência com atuação na área cível e que já tenha tido causa semelhante. Sempre bom instruir os clientes que é aconselhável reunir uma série de documentos (certidão de nascimento, certidões negativas de protesto, certidões negativas processuais, declarações de outras pessoas com firmas reconhecidas, entre outros).

“Para a retificação de nome, além da plena justificação do pleito, deve o requerente juntar certidões de protestos e dos distribuidores da Justiça local, a fim de demonstrar a inexistência de expediente escuso para fugir de credores” (JTJ 141/168).

O procedimento é previsto no art. 109 da Lei 6.015/1973, que preceitua:

Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório.                        (Renumerado do art. 110 pela Lei nº 6.216, de 1975).

  • §1° Se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público impugnar o pedido, o Juiz determinará a produção da prova, dentro do prazo de dez dias e ouvidos, sucessivamente, em três dias, os interessados e o órgão do Ministério Público, decidirá em cinco dias.
  • §2° Se não houver impugnação ou necessidade de mais provas, o Juiz decidirá no prazo de cinco dias.
  • §3º Da decisão do Juiz, caberá o recurso de apelação com ambos os efeitos.
  • §4º Julgado procedente o pedido, o Juiz ordenará que se expeça mandado para que seja lavrado, restaurado e retificado o assentamento, indicando, com precisão, os fatos ou circunstâncias que devam ser retificados, e em que sentido, ou os que devam ser objeto do novo assentamento.
  • §5º Se houver de ser cumprido em jurisdição diversa, o mandado será remetido, por ofício, ao Juiz sob cuja jurisdição estiver o cartório do Registro Civil e, com o seu "cumpra-se", executar-se-á.
  • §6º As retificações serão feitas à margem do registro, com as indicações necessárias, ou, quando for o caso, com a trasladação do mandado, que ficará arquivado. Se não houver espaço, far-se-á o transporte do assento, com as remissões à margem do registro original.

Por fim, um dos casos mais polêmicos e que foi levado às portas do Supremo Tribunal Federal é a mudança de nome em caso de identidade de transgênero.

A jurisprudência vacilava em afirmar que é possível a retificação de nome em caso de transexualidade, ora afirmando a necessidade de cirurgia de transgenitalização, ora afirmando sua desnecessidade.

Porém, em 2018, por meio da ADIn 4275/DF, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, a desnecessidade da alteração de sexo para retificação do nome.

Confira-se ementa transcrita abaixo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E REGISTRAL. PESSOA TRANSGÊNERO. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO NO REGISTRO CIVIL. POSSIBILIDADE. DIREITO AO NOME, AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, À LIBERDADE PESSOAL, À HONRA E À DIGNIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS HORMONAIS OU PATOLOGIZANTES. 1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente. (STF, ADI 4275, rel. Min. Marco Aurélio, j. 01.03.2018).

 

Bibliografia

Lei 6.015/1973 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm

NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e legislação civil em vigor. 50 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Franquia empresarial e a Nova Lei 13.966/2019 (04/03/2020)

O contrato de franquia empresarial agora está regulado pela Lei 13.966/2019, que entrará em vigor no final de março de 2020.

Trata-se de um contrato nominado, mas que doutrina majoritária ainda entende ser atípico, pois muito embora seja tratado na legislação, as partes têm autonomia para elaborarem as suas próprias cláusulas por escrito, exceto a Circular de Oferta de Franquia que deve cumprir itens obrigatórios.

Normalmente, a franquia é um contrato de adesão, onde o franqueado têm pouca margem de escolha do conteúdo do contrato, sendo que o instrumento contratual, na maioria dos casos, já vem formatado (modelo opt in , opt out).

O contrato de franquia tem duas partes empresárias (um empresário que já detém a propriedade da marca e a propriedade industrial do produto ou serviço/método e um empresário que gostaria de fazer um aporte inicial, um investimento para explorar aquele determinado ramo de atuação).

O regime contratual não é submetido ao Código de Defesa do Consumidor nem à CLT. Aliás, os empregados do franqueado não têm vínculo com o franqueador, isto é bem claro no art. 1.º da Lei, in fine.

Há possibilidade de haver franquia na área privada, bem como na área pública e com organizações não governamentais.

Importante informar que o contrato sempre deve ser escrito em língua portuguesa, mesmo que se trate de uma franquia internacional.

As partes podem eleger juízo arbitral para discussão de questões jurídicas envolvendo o contrato.

Há possibilidade de haver sublocação do ponto comercial utilizado para o negócio de franquia. E também há a possibilidade de o franqueado subcontratar o negócio com terceiro.

Um detalhe importante é a necessidade de entrega da Circular de Oferta de Franquia ao candidato a franqueado pelo menos dez dias antes da assinatura do contrato. Esta circular deve conter várias disposições obrigatórias (p. ex. histórico resumido do negócio franqueado e descrição detalhada da franquia e descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado), sob pena de se anular o negócio e restituir as quantias já investidas.

O contrato de franquia consiste num empreendimento muito difícil de se prosperar, pois inúmeras são as obrigações do franqueado, além do investimento inicial alto e fila para determinados tipos de negócio franqueado. Mas, em recente pesquisa, os números estão crescendo, gerando ainda mais empregos.

De acordo com o documento intitulado Desempenho do Franchising em 2018, da Associação Brasileira de Franchising (ABF), o número de unidades franqueadas em 2018 cresceu 5,2% em relação a 2017, alcançando mais de 153 mil unidades em todo país. Além disso, diferentemente dos outros segmentos no mercado de trabalho, a expansão na geração de empregos diretos no setor de franquias alcançou 9% em 2018 proporcionando cerca de 1,3 milhão de empregos.

As implicações jurídicas da declaração de "crush" (22/10/2019)

Recentemente, chegou-nos a consulta uma pessoa que se sentiu constrangida ao ser apontada como "crush".

Na gíria americanizada, "crush" é uma pessoa que te desperta paixão súbita.

Ocorre que, nos meios digitais, a utilização de imagem alheia com a identificação da expressão "crush" pode causar alguns incômodos à pessoa humana.

A grande questão é saber se este incômodo pode consubstanciar em constrangimento, a surgir um dano a direito de personalidade.

Normalmente, e na maioria das vezes, a designação de "crush" é vista como algo positivo, demonstrando alguma qualidade da pessoa que faz com que outra a enxergue como objeto de paixão súbita. Também, as pessoas apontadas como "crush" em muitos casos são públicas (atores, atrizes, escritores, modelos etc).

Há situações, todavia, em que o "crush" não é pessoa pública e pode não gostar desse apontamento. Nesse proveito, é interessante diferenciar duas situações:

Uma primeira em que há a simples menção - ex: fulano é meu "crush"!

Uma segunda em que há divulgação de foto íntima ou não autorizada com a identificação "crush".

Nesta segunda, há o tratamento da divulgação de imagens não autorizadas, cabendo ao titular proibi-la e pedir indenização pelo uso indevido.

A primeira situação é mais complicada. Isso porque cada pessoa tem uma reação diferente. Há pessoas que se sentem constrangidas ou invadidas em sua privacidade. A declaração de paixão súbita pode não só incomodar mas trazer constrangimento, ainda que sem uso de imagem autorizada.

Há diversas motivações para não querer esta divulgação. Entre elas, podemos citar: a) estar em um relacionamento; b) não corresponder afetivamente a outra pessoa; c) ser instado a dar qualquer resposta ao declarante; d) não revelar seus desejos pessoais; e) não querer expor-se em rede social; f) se sentir objeto de uma revelação íntima.

Mais uma vez, a questão é saber o grau de constrangimento, ou grau de violação aos direitos próprios da personalidade humana: honra, imagem, dignidade.

Particularmente, entendo que deve ter uma motivação muito plausível para não ter gostado da declaração, provocando efeitos consideráveis, tais como a quantidade de comentários, curtidas etc. Todo um arcabouço de consequências que geram uma exposição ainda maior.

Cabe ao juiz verificar as circunstâncias do caso concreto, a fim de dirimir dúvidas sobre a existência de dano moral. Normalmente, os próprios detalhes do caso são aptos a chegar a uma conclusão razoável e justa.

André Furtado de Oliveira

André Furtado de Oliveira Sociedade Individual de Advocacia
CNPJ 34.295.299/0001-70

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