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Responsabilidade civil no Brasil e no mundo (03.11.2020)

Parte III - Incomunicabilidade das instâncias, prescrição, excludentes e caso fortuito

Incomunicabilidade

Como se sabe, as responsabilidades civil, administrativa e penal são independentes, tendo este entendimento sido consagrado na legislação brasileira (art. 935 do CC/2002).

Ocorre que, em alguns momentos, quando restar demonstrado a autoria e materialidade do fato na esfera penal, pode-se aproveitar o acervo probatório daquele feito para esfera civil.

Prescrição

Em obra sobre a prescrição das pretensões de direito civil, José Fernando Simão apresenta os principais elementos do instituto (violação do direito, omissão e decurso do tempo), diferenciando-o da decadência.

É por isso que o nascimento da pretensão de reparação de dano civil surge quando o direito foi violado a partir de um ato ilícito ou de um ato abusivo, marcando o termo inicial do prazo prescricional.

Aliás, a obra do jurista paraibano Agnelo Amorim Filho consubstancia uma das principais referências sobre o tema, relacionando as pretensões (declaratória, constitutiva, condenatória) com a natureza da prescrição ou decadência.

Com apoio em tal obra guia, é possível compreender que a pretensão condenatória surge da violação do direito, daí porque se aplica as regras pertinentes à prescrição e não à decadência (que se relaciona com direitos potestativos).

Especificamente em relação ao Código Civil, o prazo da prescrição da responsabilidade civil extracontratual é de 03 anos, nos moldes do art. 206, § 3.º, V.

Existe, contudo, uma divergência doutrinária se o mesmo prazo é válido para a responsabilidade civil contratual, sendo que alguns autores dizem que deve-se aplicar o prazo geral de 10 anos (ou o prazo de 20 anos quando da vigência do Código Civil de 1916), enquanto outros o albergam no mesmo prazo do art. 206, § 3.º, uma vez que o dispositivo em comento não cria esta diferenciação.

Excludentes

No âmbito privado, as excludentes de ilicitude afastam a ilicitude do ato e consequentemente o direito de indenizar. Podemos citar o caso fortuito, a força maior, o estado de necessidade, a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro, figuras também consagradas no Código de Defesa do Consumidor.

No que pertine especificamente ao caso fortuito, doutrina e jurisprudência diferenciam o fortuito interno do fortuito externo. O fortuito interno trata de fato inerente à atividade, não afastando a responsabilidade (ex: fraudes bancárias).

Já o fortuito externo não está na esfera de ação humana, sendo alheio à atividade, gerando, portanto, o dever de indenizar.

Responsabilidade civil no Brasil e no mundo (28.10.2020)

PARTE II - Conceito, elementos e espécies

 

 A responsabilidade civil, prevista no art. 927 do Código Civil, é conceituada como a imputação civil dos danos a determinada pessoa (ofensor), com o objetivo de recompor o patrimônio da vítima.

A partir da conjugação do art. 186 e 927 do Código Civil, pode-se extrair que todo aquele que pratica um ilícito civil está obrigado a ressarcir o dano. Além disso, aquele que excede os limites do exercício do direito (na figura do "abuso de direito" - art. 187 do mesmo códex) também está obrigado a reparar o dano causado.

Os elementos da responsabilidade civil subjetiva são: (i) ato ilícito, (ii) dano, (iii) nexo de causalidade entre ato ilícito e o dano e (iv) a culpa (lato sensu - dolo ou culpa stricto sensu - negligência, imperícia e imprudência).

Por sua vez, na responsabilidade civil objetiva, que prescinde do elemento culpa, temos apenas três elementos: (i) ato ilícito ou atividade que coloca em risco direitos de terceiros, (ii) dano e (iii) nexo de causalidade entre o ato ilícito ou a atividade de risco e o dano.

Importante mencionar que o advento e a consagração da responsabilidade objetiva não enfraquecem a teoria do nexo causal direto e imediato, adotada pelo Código Civil de 2002, mas apenas afasta a perquirição sobre a conduta culposa do ofensor, conforme ensina Marco Fábio Morsello sobre a necessidade de preservar e provar o nexo de causalidade.

A responsabilidade civil contratual tem tratativa separada da responsabilidade aquiliana (extracontratual). Isso porque já existe uma relação jurídica formada pelas partes, sob a égide dos princípios contratuais (autonomia privada, força obrigatória dos contratos, relatividade dos efeitos contratuais, boa-fé objetiva, função social e equilíbrio econômico) e do quanto declarado no contrato.

Destarte, para que se configure o direito de indenizar é preciso um inadimplemento (absoluto ou relativo) acrescido à noção de culpa, lembrando que a força maior ou o caso fortuito afastam a responsabilidade, a não ser que as partes assumam expressamente a responsabilidade mesmo na ocorrência de tais fatos (art. 393 do Código Civil).

É a chamada "gestão do risco contratual". Importante também mencionar que, no âmbito contratual, há institutos novos, moldados a partir de cláusulas gerais (bem caracterizadas na obra de Denis Mazeaud e Stefan Grundmann), conceitos indeterminados e princípios, que introduziram um sistema aberto, sob a vigência do Código Civil de 2002 (Francisco Amaral anota estes caracteres em obra sobre a interpretação das normas de direito civil).

É nesse sentido que a boa-fé objetiva passou a ser elemento direcionador do programa contratual, podendo haver também responsabilidade civil contratual pela violação não só da prestação principal, como também da violação dos deveres acessórios (cuidado, proteção, esclarecimento, sigilo, aviso, informação), como bem observa Antonio Menezes de Cordeiro, em obra referência sobre o tema e Clóvis do Couto Filho a respeito do cumprimento progressivo do programa contratual (caminho em direção ao adimplemento).

No mais, podem, no âmbito das relações paritárias de direito civil, as partes escolherem determinados eventos em que não há a configuração do dever de indenizar a partir de cláusula excludentes ou limitativas da responsabilidade (novamente, a famosa "gestão do risco contratual"), sendo vedada, contudo, nas relações de consumo, a inserção da cláusula excludente ou limitativa de responsabilidade, em função da prevalência do princípio da reparação integral dos danos aos consumidores.

Assim, embora estando presentes os elementos da responsabilidade civil a deflagrar a recomposição do patrimônio da vítima, este dever de indenizar é afastado por disposição contratual expressa.

Processo de contratação de trabalhadores (30.09.2020)

A rotina de admissão das empresas é um dos pontos essenciais para selecionar um bom profissional e alinhar as expectativas de um futuro candidato no mercado de trabalho.

Trata-se de um processo complexo que se inicia a partir do anúncio da vaga e termina com o fim do contrato de experiência.

Porém, o departamento de recursos humanos deve ter em mente alguns pontos. Isto é, conhecer os valores e diretrizes da empresa, conhecer bem a legislação trabalhista, praticar igualdade (não discriminação) e ter a consciência que o RH é um fator de agregação de pessoas, sendo aconselhável ter um mínimo conhecimento em mediação de conflitos.

Durante o processo de seleção, é importante saber se o perfil do trabalhador se alinha ao perfil da empresa e ter bom senso nas avaliações, consultando sempre o Departamento Jurídico quando necessário.

Além disso, é preciso agir com boa-fé, clareza na comunicação, solidariedade e respeito ao trabalhador, mesmo quando ele não preenche os requisitos para a vaga (p.ex. não deixar o funcionário aguardando muito tempo para fazer uma entrevista).

Vale dizer que os testes de aptidão e conhecimento devem ser compatíveis com a função a ser desempenhada, não sendo possível exigir do candidato questões estranhas à vaga.

Perguntas extremamente invasivas não devem ser realizadas (religião, orientação sexual, se deseja ter filhos).

Por outro lado, há proibições legais, tais como a estabelecida no art. 442-A da CLT. Veja-se abaixo:

Art. 442-A.  Para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade. 

Exigir certidão negativa trabalhista também é discriminatório por si só, assim como certidões negativas de protesto ou dos órgãos de proteção ao crédito (SERASA, SPC).

De outra forma, em relação à certidão negativa de antecedentes criminais, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem admitido em algumas situações específicas (a apresentação obrigatória do documento é considerada legítima apenas em razão da natureza do ofício, como no exercício de atividades que envolvam o manejo de armas ou substâncias entorpecentes, o cuidado com idosos, crianças e incapazes, o acesso a informações sigilosas e transporte de cargas).

Para o exercício de determinadas profissões, para a admissão do trabalhador, a empresa pode pedir documentos comprobatórios (ex: CNH do motorista; OAB do advogado, CREA do engenheiro, e assim por diante).

Outros documentos são absolutamente necessários: Carteira de Trabalho (CTPS) para fazer a anotação inicial (lembrando que a empresa tem 48 horas para fazer a anotação e devolução ao empregado – mediante recibo de entrega), foto 3x4, Identidade, CPF, título de eleitor com comprovante das últimas três eleições, cartão de inscrição no PIS, reservista se menor de 45 anos, comprovante de residência, certidão de casamento ou união estável, certidão de nascimento de filhos menores de 14 anos.

Por fim, aconselha-se encaminhar o candidato ao exame médico admissional somente depois de ser certa a contratação, assim como orientar o empregado acerca do dress code da empresa, código de ética e organograma da empresa, acompanhando o funcionário até o termo final do contrato de experiência.

Responsabilidade civil no Brasil e no mundo (21.10.2020)

PARTE I - Evolução histórica

A responsabilidade civil é instituto antigo na temática do Direito Civil, tendo seu início na antiguidade, principalmente nos Códigos dos povos primitivos (Hamurábi, Lei das 12 Tábuas, Lei de Talião) e no Direito Romano (Ius Civile), conforme explana Diez Picazo em sua obra sobre "El Sistema de Derecho Civil".

Calcada na responsabilidade pessoal do devedor, muitas vezes se pagava ou indenizava com o próprio trabalho ou ainda com o próprio corpo. Assim, passou-se para a responsabilidade patrimonial (Lex Aquilia), onde apenas os bens e direitos do devedor respondiam pela dívida.

Com advento dos Estados Modernos e das revoluções liberais, o instituto ganhou expansão. Fundou-se, sobretudo, na ideia de culpa, caracterizando-se, assim, a responsabilidade civil subjetiva.

Aos poucos, também em função da Revolução Industrial, os danos provenientes das mais diversas atividades, massificaram-se, o que fez perceber a insuficiência da responsabilidade subjetiva calcada exclusivamente na culpa.

Foi nesse aspecto liberal que o Código Civil de 1916 (de caráter marcadamente liberal) adotou a teoria da responsabilidade civil subjetiva, embora já houvesse na legislação esparsa a noção do risco, a exemplo do Decreto de 1912, sobre atividade ferroviária, que inaugurou, em terra brasilis, a responsabilidade objetiva dos ferroviários no âmbito dos acidentes ocorridos na via e durante o transporte.

Todavia, foi após as guerras mundiais, que a sociedade global começou a perceber a insuficiência dos cânones tradicionais da responsabilidade subjetiva, marcada pela necessidade de demonstrar a culpa, notadamente conhecida como uma "prova diabólica", nas palavras de Anderson Schreiber, acompanhado também por Cláudio Luiz Bueno de Godoy.

Nesse diapasão, a necessidade de proteção da vítima e o olhar atento sobre a efetividade do ressarcimento dos danos fizeram surgir a teoria do risco da atividade (mise en danger - Bélgica e França), a responsabilidade pressuposta e a responsabilidade civil objetiva, grassando esta última na legislação ambiental, nuclear, consumerista até o advento do Código Civil de 2002 (cuja comissão e projeto remontam, respectivamente, ao final dos anos de 1960 e início dos anos 1970), que a estampou no art. 927, parágrafo único. Sem dizer também na responsabilidade civil objetiva do Estado, prevista no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal de 1988.

A partir do século XX com a pluralidade da sociedade, a complexidade das situações jurídicas, a massificação dos danos e a necessidade de atualização dos institutos, as noções de responsabilidade civil estão sendo revisitadas, com o fenômenos do enfraquecimento dos seus filtros (Anderson Schreiber), exigindo que o direito dê uma resposta mais adequada aos problemas da pós modernidade, superando o formalismo hermenêutico.

É, portanto, o sistema de direito civil um organismo vivo, que tem se aperfeiçoado, sobretudo na inauguração do Código de 2002, flexibilizando a interpretação das normas, a partir de um método mais integral e aberto, que permite ao juiz certa mobilidade, a adequar inúmeras possibilidades diante do caso concreto (Francisco Amaral).

Tal postura vem privilegiando a chamada proliferação de princípios e novos métodos hermenêuticos, tais como a escola do direito civil constitucional. Não deixa de existir críticas às teorias “neoconstitucionais”, por relegarem institutos tradicionais do direito civil a segundo plano, consoante alerta Otávio Luiz de Rodrigues Jr (Estatuto Epistemológico do Direito Civil) e Lênio Streck, que também condena o fenômeno da "pricipiolatria".

Fato incontroverso, entretanto, que a sociedade muda e o direito deve oferecer respostas a tais mudanças, sob pena de se ter um arcabouço jurídico arcaico ou método de resolução de conflitos ultrapassado.

Pejotização (24.09.2020)

A “pejotização” é uma forma de contratação utilizada por grandes empresas e às vezes para “maquear” uma relação de emprego.

Vale dizer que a contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços não é, por si só, algo proibido.

Porém quando se contrata uma pessoa jurídica como se pessoal natural (ou física) fosse e presentes os elementos caracterizadores do emprego, aí sim haverá proibição.

Isto é, pelo princípio da primazia da realidade, a Justiça do Trabalho sempre afasta o contrato formal entre duas pessoas jurídicas, desconsiderando todas suas cláusulas, quando presentes os requisitos de uma relação de emprego.

Esta prática é muito comum no âmbito dos serviços de tecnologia e consultoria.

Isto é, se houver pessoalidade, subordinação, onerosidade e habitualidade na prestação dos serviços, há o entendimento pela configuração do vínculo empregatício.

Assim, a empresa contratante, que burlou a lei, terá que reconhecer o vínculo, com todos os direitos (férias, descanso semanal etc) e pagar todas as verbas trabalhistas devidas ao empregado (13.º, horas extras, etc), além de recolher FGTS e INSS na forma da lei.

Ademais, o art. 9.º da CLT dispõe que qualquer atitude com o fim de fraudar a incidência das normas trabalhistas é nula e, por conseguinte, não terá validade e efeitos.

Veja-se a dicção legal.

CLT, Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

A pejotização também foi tratada na reforma trabalhista de 2017. Assim, dispôs-se que o empregado demitido não pode ser contratado como empregado ou sócio de PJ antes de 18 meses do término do vínculo de emprego.[1]

Sobre este assunto, vale a lição do Prof.º Homero Batista:

Se o trabalhador for recontratado como pessoa jurídica em menos de 18 meses, a solução mais adequada para a interpretação desse dispositivo não é outra senão a declaração da relação de emprego entre ele e a suposta tomadora de serviços. Mas isso não significa que toda pejotização pós 18 meses seja lícita ou genuína. Poderá também envolver fraude e desaguar em declaração de vínculo de emprego, se preenchido os requisitos”.[2]

 É importante o empresário ficar atento, pois num primeiro momento a pejotização pode trazer menos custos. Porém, ao final, pode incrementá-los, além de eventuais multas e penalidades pelos órgãos de fiscalização.

[1] Lei  6019/1967,

Art. 5o-C.  Não pode figurar como contratada, nos termos do  art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.  (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

Art. 5o-D.  O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.

[2] SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista. Análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2017. p. 219.

André Furtado de Oliveira

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